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Acarajé: A Tradição Afro-Brasileira que Conquistou o País

Introdução

Poucos pratos da culinária brasileira têm uma história tão rica e simbolismo tão profundo quanto o acarajé. Muito mais do que uma comida de rua saborosa e marcante, o acarajé carrega consigo heranças religiosas, históricas e culturais do povo negro no Brasil. Presente principalmente na região Nordeste, especialmente na Bahia, o acarajé rompeu fronteiras e se espalhou por diversas regiões do país, ganhando admiradores de norte a sul.

Neste artigo, vamos explorar em profundidade o acarajé: suas origens africanas, sua chegada ao Brasil, o papel das baianas, sua relação com as religiões de matriz africana, as diferenças entre o acarajé “de rua” e o “sagrado”, como ele é feito, o que o torna tão especial, as polêmicas sobre sua preservação e identidade, e muito mais.

1. Origem Africana do Acarajé

O acarajé tem suas raízes no continente africano, especialmente entre os iorubás, um dos principais grupos étnicos da Nigéria. No idioma iorubá, “akara” significa “bolo de feijão” e “je” significa “comer”. Ou seja, “akara je” pode ser traduzido como “comer bolinho de feijão”. O prato é tradicional em celebrações e oferendas religiosas.

No contexto africano, o akara é preparado com feijão-fradinho triturado, temperado e frito em azeite de dendê ou óleo de palma. Ele é oferecido a ancestrais e òríàs (orixás), como uma forma de culto e agradecimento. Essa prática foi trazida para o Brasil durante o período da escravidão, quando milhões de africanos foram forçadamente trazidos para o trabalho forçado nas colônias europeias.

2. Acarajé no Brasil Colonial

No Brasil, o acarajé passou por transformações que o adaptaram à nova realidade. Se antes era um prato ritualístico, aqui ele também passou a ser uma fonte de sustento para mulheres negras libertas ou alforriadas que buscavam sobreviver nas cidades.

As chamadas “baianas do acarajé” surgem nesse contexto. Essas mulheres, geralmente ligadas aos terreiros de candomblé, vendiam acarajé nas ruas de Salvador e arredores. Usavam o dinheiro para se sustentar, ajudar seus terreiros ou comprar a liberdade de parentes ainda escravizados. Com suas vestimentas brancas, panos da costa e colares de contas, elas tornaram-se um símbolo da resistência e da cultura afro-brasileira.

3. Acarajé e a Religião: Candomblé e os Orixás

Para além da culinária, o acarajé tem um papel central nas religiões de matriz africana. No candomblé, ele é oferenda para a orixá Iansã (Oyá), deusa dos ventos, tempestades e das transformações. O acarajé ritualístico não leva recheio e segue preceitos específicos, como a preparação por iniciadas, em ambiente consagrado e com ingredientes ritualísticos.

Esse aspecto espiritual torna o acarajé um alimento sagrado. Seu preparo exige respeito, conhecimento e responsabilidade. Muitas baianas vendedoras são também “filhas de santo”, e por isso unem o saber culinário ao saber religioso.

4. Como é Feito o Acarajé

O acarajé é feito a partir de feijão-fradinho demolhado, descascado e triturado até virar uma massa homogênea. Essa massa é batida com cebola e sal, o que confere leveza e sabor. Depois, é moldada em bolinhos com o auxílio de uma colher e frita em azeite de dendê quente.

O recheio tradicional inclui vatapá (uma pasta de pão, leite de coco, amendoim, castanha e dendê), caruru (quiabo cozido com camarão seco e dendê), salada (tomate, cebola e pimentão), camarão seco e pimenta. É um prato completo, que combina sabor, textura e identidade.

5. A Baiana do Acarajé: Patrimônio Vivo da Cultura Brasileira

A figura da baiana do acarajé é icônica. Com suas roupas brancas, torço na cabeça, colares coloridos e um tabuleiro equilibrado, ela representa a força da mulher negra brasileira. Em 2004, a profissão foi reconhecida pelo IPHAN como Patrimônio Cultural do Brasil.

Mais do que vendedoras, as baianas são guardiãs de saberes ancestrais. Elas conhecem os segredos do preparo, da escolha dos ingredientes e do respeito à tradição. Muitas passam esse conhecimento de mãe para filha, mantendo viva a chama da cultura afro-brasileira.

6. Acarajé na Gastronomia Brasileira Contemporânea

Com o tempo, o acarajé ganhou espaço em restaurantes, eventos gastronômicos e programas de televisão. Chefs renomados começaram a recriar o prato com novas releituras, mas sem perder a essência. Hoje, é comum encontrar acarajé gourmet, miniacarajés em eventos, e até versões vegetarianas.

Apesar dessas adaptações, existe uma preocupação com a descaracterização do prato e a perda de seus significados culturais e religiosos. Muitos defendem que o acarajé deve ser sempre associado às baianas e à cultura afro-brasileira que o originou.

7. Acarajé Pelo Brasil

Originalmente da Bahia, o acarajé pode hoje ser encontrado em diversos estados do Brasil. Em feiras culturais, festas afro-brasileiras, mercados e praias, é comum ver barracas de acarajé com as tradicionais baianas. Em cidades como Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Recife, ele se tornou uma iguaria apreciada.

A expansão do acarajé também trouxe desafios. Em muitos lugares, o prato é vendido por pessoas que não conhecem sua história ou tradições. Isso gerou debates sobre apropriação cultural e sobre a importância de se preservar o elo entre o prato e sua origem afro-brasileira.

8. Curiosidades Sobre o Acarajé

  • O acarajé é um dos poucos pratos brasileiros que possuem duplo valor: alimentar e espiritual.
  • O dia 25 de novembro é o Dia Nacional da Baiana do Acarajé.
  • O acarajé só pode ser considerado autêutico se for frito no azeite de dendê.
  • Em terreiros, o acarajé ritual não leva recheio nem sal.
  • Na Nigéria, o akara é geralmente servido no café da manhã.

9. O Acarajé Como Resistência Cultural

O acarajé é um símbolo de resistência. Num país que por séculos tentou apagar as marcas africanas de sua identidade, o prato permaneceu vivo e relevante. Comer acarajé é, de certa forma, celebrar a história de um povo que mesmo diante da dor, manteve sua cultura viva.

As baianas são protagonistas dessa resistência. Com seus tabuleiros, elas ocupam o espaço público, afirmam sua presença e transmitem saberes. É preciso valorizar, proteger e reconhecer essa prática como parte essencial da cultura brasileira.

10. FAQ: Perguntas Frequentes Sobre o Acarajé

O que é acarajé?

Acarajé é um bolinho feito de feijão-fradinho frito no azeite de dendê, tradicional da culinária afro-brasileira, especialmente na Bahia.

Qual a diferença entre o acarajé ritual e o comercial?

O acarajé ritual não leva sal nem recheio, é preparado para orixás em rituais religiosos. O comercial é recheado e vendido nas ruas.

Acarajé tem glúcen ou lactose?

Geralmente, não. A massa é feita de feijão, e o vatapá pode levar pão (com glúcen), mas há versões sem glúcen e sem lactose.

Onde encontrar acarajé autêutico?

Principalmente em Salvador, com as baianas tradicionais. Em outras cidades, procure locais que valorizem a cultura afro-brasileira.

Pode ser feito em casa?

Sim, embora seja trabalhoso. Há receitas adaptadas, mas o sabor do acarajé frito no dendê pelas baianas é incomparável.

Conclusão

O acarajé é mais do que um prato saboroso. É um elo entre o Brasil e África, entre passado e presente, entre alimento e espiritualidade. É memória, resistência, arte e história servidas em um bolinho quente e perfumado.

Valorizar o acarajé é valorizar a cultura afro-brasileira, é respeitar o saber das baianas, é reconhecer a riqueza das tradições populares. Que ele continue sendo celebrado, preservado e apreciado em todas as regiões do país, como um verdadeiro patrimônio vivo da nossa identidade nacional.

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